Keila Málaque
A foto da família Matos rodeando o patriarca Manoel Ignacio de Mattos e sua esposa Eugênia Moreira é imponente – retrato típico de uma família rural (presbiteriana) das primeiras décadas do século 20: numerosa, postura grave e tendo por traje as melhores roupas. As crianças – ou várias delas – descalças. Seu Calvino estava no meio, magro e longilíneo e teria possivelmente uns 10 a 12 anos. Como nasceu em 1925, é provável que a foto tenha sido tirada na metade da década de 30.
Viajei para Iepê com a foto e procurei Seu Calvino. Ele me contou que havia nascido num sítio em Tupá, perto de Agudos (possivelmente o cenário da foto) e que desde os oito anos trabalhou na roça – de café, milho, algodão ou arroz. A família de seu pai, Flávio de Matos, era do estado do Rio de Janeiro, enquanto a de sua mãe (Helena Murbach), suíça. Em Tupá havia uma congregação presbiteriana onde o pai foi presbítero.
Seu Calvino se mudou para Iepê com o tio Azor Murbach em 1947, aos 22 anos, e foi trabalhar na roça do Seu José Camilo. A motivação para a mudança foi ficar perto da prima e namorada Anália, filha de Salatiel Murbach. Mas a paixão não durou muito: três anos depois ele se casou com Leonina Almeida, filha adotiva de José Camilo, casamento que durou até sua morte em 08 de abril de 2019.
Mas tenho minha própria história com Seu Calvino e a quitanda que teve por cerca de 40 anos. Remonta aos meus 7 ou 8 anos, quando, com minha irmã, estudava piano no Educandário de Iepê. Na volta para casa passávamos na quitanda para comprar um doce na conta de minha mãe (possível estímulo para que não abandonássemos o curso). Ele já devia aguardar nossa visita: dirigia-se até o armário de doces e esperava tranquilo até que decidíssemos entre pipoca doce, pé-de-moleque, biscoito de polvilho, maria-mole ou paçoca.
Com frequência estava sentado na porta o tio Quim, que descascava uma laranja para cada uma de nós e fazia num dos polos aquele inusitado buraquinho em forma de cone (a ideia era pressionar a laranja com a mão e chupar o suco pelo cone). Imagem pacífica aquela: Seu Calvino, alto e estoico, com os cotovelos apoiados no balcão e o tio Quim, sentado sobre um caixote de madeira descascando laranja.
Quando Sileide Beni, nas aulas da escola dominical da IPI de Iepê, precisava explicar o que era “longanimidade” (palavra complexa aos ouvidos infantis), o exemplo que dava era o Seu Calvino. Não porque fosse “longo de altura”, mas por causa da “extrema paciência”, da “grandeza de ânimo”, da “firmeza em suportar adversidades”, da “hombridade”, “gentileza” e “generosidade”. Esse era o retrato do Seu Calvino.
Marlene de Almeida Barreto
•5 anos ago
Delícia de texto… leve, verdadeiro e para mim, emocinante, por motivos óbvios.
Parabéns pelo seu trabalho Keila!
Dalva Alice De Matos
•3 anos ago
Sou neta de Vitor de Matos e Zulmira Murbach.
Gostaria saber mais histórias de nossa família!
Sergio L Matos Alvarenga
•1 ano ago
Também sou neto de Vitor de Matos e Zulmira Murbach.
Obrigado pela apresentação.