Gosto da frase de uma filósofa brasileira segundo a qual todo evento da vida tem valor pedagógico; se não o tivesse, ele teria sido eliminado da existência.
A fundação do patrimônio de Liberdade, em 23/04/2023, traz uma série de lições: algumas delas mencionadas com maior recorrência, como as lições de igualdade, generosidade e liberdade. Porém há outras sobre as quais vale lançar o olhar.
Chama a atenção o caráter coletivo das origens de Iepê. Diferente da maior parte das cidades brasileiras, essa fundação foi obra de um conjunto de pessoas que, percebendo a necessidade, resolveram fazer algo pelo bem comum – ou seja, tinham espírito de coletividade. Esse não é um detalhe banal: hoje em dia, mal se consegue tirar os olhos das telas para se ver o outro, quanto mais juntar-se ao outro por um projeto comum.
É disso que fala o texto abaixo – uma preciosidade deixada por Joaquim Severiano de Almeida, em seu Subsídios para a História de Iepê. De Chico Maria veio a ideia, de Antoninho Maria as terras para se levantar o Patrimônio , de Júlia Almeida, as terras para o cemitério, porém a concretização do projeto foi obra de muitas mãos – os que se entusiasmaram com a proposta, influenciaram outros e juntaram adeptos, os que demarcaram as ruas e as abriram, os que cavaram buracos, carregaram madeira, conduziram carros-de- bois, prepararam cercas, e aqueles que, ao construírem seus próprios ranchos, legitimaram a proposta.
Diz o texto:
Continuar assim não era possível. Foi quando Chico Maria teve ideia de fundar um outro patrimônio, dando-lhe o nome de “Liberdade”. (…).
Em casa de João Sant’Ana, Chico Maria expôs o plano que foi acolhido com muita simpatia por todos os evangélicos bem como por católicos liberais, isto é, mais cultivados. Homens que sabiam que a humanidade é um todo vindo das mãos de Deus, e cada indivíduo tem a liberdade de adotar a filosofia religiosa que quiser, sem que isto constitua obstáculo às relações sociais.
A ideia amadureceu, o entusiasmo era cada vez mais crescente. Surge, porém um problema “entrave da questão”. Quem cederia as terras para o patrimônio? Uma cidade estava longe das cogitações daqueles rompedores de matos, domadores de sertões ….
Antonio de Almeida Prado (“Antoninho Maria”), sobrinho de Chico Maria, vendo a impossibilidade e reconhecendo a necessidade, decidiu ceder de suas terras uma área de 10 alqueires para o patrimônio da Liberdade, onde está hoje Iepê(…)
Em um dia de sábado, João Antonio Rodrigues, José Lino Sant’Ana, Cornélio Coutinho, Antonio de Almeida Prado e outros demarcaram o perímetro urbano. No sábado seguinte, demarcaram as primeiras ruas. No outro sábado, reuniu muita gente para abertura das primeiras ruas, por sinal beirando o córrego dos Patos. Logo foram surgindo ranchos e mais ranchos nas primeiras ruas.
Julia de Almeida Ramos cedeu uma área de mais de uma quarta de terras para o cemitério, que corresponde ao atual. Ali já havia dois alqueires de mato derrubado para roça, que Antônio Fortunato Pereira ajudou a fazer. Marcou-se um dia de sábado para cercar aquela área de terras. Ficou combinado, de acordo com a ideia de João Sant’Ana, que cada evangélico maior fizesse uma braça de cerca, que a madeira fosse de pau-brasil com três metros de altura, devendo ser enterrada com um metro de profundidade.
Chegou o sábado, ocasião em que se reuniu muita gente. A madeira era transportada por carros de boi. Era realmente impressionante observar a disposição com que trabalhavam aqueles homens. Os que chegaram por último, pouco tiveram que fazer. Por volta do meio dia, todo o serviço estava pronto, inclusive o portão assentado. A terra embaixo do portão foi estacada com pranchas de pau-brasil. O portão foi feito e doado por Antoninho Maria. (…)
E assim surgiu o patrimônio de Liberdade. (…)
Inspirador, não?
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